23 agosto 2009

A NÃO-VIAGEM DE UM NATURALISTA

Quarta feira passei pelo Itaguaçú e as gaivotas continuavam a cumprir sua missão de pais. Revezamento no cocho, por enquanto. Agora, no sábado, ainda estão. Uma altaneira sobre o ninho, sob o sol, sobre a pedra. A árida pedra que não mais o é.

A outra está na pedra do banho. Não sei se movida pela fome ou por um quero-quero que pousou sobre a pedra, alçou vôo nossa gaivota. É interessante notar aqui esta interação entre aves marinhas e terrestres. Nas pedras vemos além das gaivotas, biguás e trinta réis temos quero-queros, bem-te-vis e até pombas.

Mas a gaivota voou ao largo num círculo imperfeito. Saiu da pedra do banho e numa curva chegou até a praia, onde estou eu. Sem pousar vasculhou a areia com os olhos, possivelmente tentando identificar algo para se alimentar, seguiu o círculo, tendo o ninho quase como o centro e retornou à pedra do banho. Não pousou, nem o quero-quero saiu.

Mudou a trajetória e passou bem próximo do ninho. Talvez percebendo a tranqüilidade da outra, mudou novamente o caminho, descrevendo outra curva até uma outra pedra próxima.

Se este trajeto fosse um relógio, sendo o ninho o centro e a praia as 6 horas, a pedra do banho estaria às 11 horas e o destino final às 5. Se assim fosse, a gaivota partiria das 11 horas, seguiria em sentido anti-horário até às 6, continuaria o percurso inverso dos ponteiros, voltaria para às 11, seguiria até às 10 ou 9, onde mudaria a trajetória até o centro desse relógio imaginário. Dali seguiria até umas 2 horas e assumiria o sentido dos ponteiros até às 5, onde parou o relógio. Um relógio imaginário que mede as distâncias em vez do tempo.

Terminado o vôo, a gaivota do ninho se levantou, ajeitou os ovos e voltou à posição de choco. Li num trabalho muito bom (BRANCO, J. O. Reprodução das aves marinhas nas ilhas costeiras de Santa Catarina, Brasil) que as gaivotas põem de um a três ovos, com média próxima a dois. Formam casais estáveis mas nidificam em bandos nas ilhas. Temos aqui um casas estável, com possivelmente mais de um ovo no ninho, porém estão isoladas das demais. Existem muitas outras gaivotas nas pedras próximas e nas demais, mas em torno deste ninho não há outras. E pelo que tinha visto antes, o nosso casal nem permite a aproximação das outras.

Os inimigos naturais, continuando no trabalho aquele, são os urubus e os gaviões. Porém estes não se apresentaram nestas plagas, talvez até pela proximidade urbana.

O mar está calmo, um pouco mais alto que da vez passada, céu nublado com vento terrau em rajadas e um calor primaveril de vinte graus. Deu na rádio há pouco.

Passado algum tempo, onde as coisas permanecem como estão, inicia-se a troca da guarda e o momento de eu me despedir das nossas Larus dominicanus (nada como um trabalho científico para nos embasarmos)

E assim segue a não-viagem de um amador naturalista ao redor da praia.

Nenhum comentário: