10 abril 2010

BUMBA MEU MORRO

BUMBA MEU MORRO

O Bumba Meu Morro é um folguedo popular, claro que de origem portuguesa, que se faz presente no litoral brasileiro. Os personagens são o Povo Antigo, o Povo da Comunidade, os Reizinhos, o Diabo e S. Pedro. Sendo de origem lusitana, tanto a realeza como a influência cristã estão presentes.

O folguedo é de grande monta, demandando toda uma estrutura grandiosa e burlesca. Podemos até convidar o Zé Celso para a direção cênica, o Hélio Oiticica para o figurino e o Tom Zé para a trilha sonora. A ideia é transformar o Bumba Meu Morro num evento cultural inesquecível.

Num pequeno resumo, o Povo Antigo, que vestirá parangolés representando a moda de 35 anos atrás, será composto por 350 mil pessoas. Elas, em fila indiana, depositarão saquinhos de supermercado com um conteúdo de meio quilo cada, 365 vezes, simbolizando um saquinho por dia. O que se repetirá 16 vezes, alegoricamente indicando os anos do período antigo. Não será posto qualquer tipo de restrição quanto ao conteúdo dos saquinhos, podendo ser restos de comida, latas de cerveja, embalagens plásticas, papel higiênico, modess, preservativos, papelão, metais, etc.

Esta parte do espetáculo deixará mais de 1 bilhão de quilos numa pequena e fofa montanha que vai sendo erguida no centro do evento, simbolizando o substrato mesmo do Bumba Meu Morro.

No momento em que o Povo Antigo sai de cena, começa a aparecer, lentamente, o Povo da Comunidade, vestido de andrajos coloridos que, certamente, formarão parangolés lidíssimos. Este povo chegará lentamente, 15 vezes, representando a passagem dos anos, chegando até a 600 famílias formando o Povo da Comunidade. A trilha sonora tende ao burlesco.

Durante este acontecimento, também por 15 vezes, representando os anos que se passaram desde o fim da ação do Povo Antigo entram os Reizinhos, vestidos com fraques de políticos, prefeitos, governadores, assessores, diretores de repartições e burocratas. Eles levarão para a montanha material de construção, fios elétricos, telefones, canos de água, classes escolares, camas de enfermaria e toda a sorte de material, simbolizando a infraestrutura necessária para o Povo da Comunidade. Este, por sua vez, vai, lentamente, construindo suas casinhas, suas lojinhas e tudo o mais. Os Reizinhos dançam, revoando suas vestes, enquanto o Povo da Comunidade move-se num lento trabalhar, movendo-se como engrenagens de uma máquina.

Na última cena, aparece o Diabo que enfia seu tridente incandescente na água e, lentamente a vai esquentando, indicando o aquecimento de décadas. A água emite cada vez mais vapor, simbolizando o ciclo das águas. Neste momento, surge S. Pedro, que reúne todo aquele vapor do ar e joga sobre a montanha. Joga num único instante, 9 milhões de litros de chuva por aquela área. A música torna-se grandiosa com esta intervenção do sobrenatural.

O Diabo liga uma enorme batedeira com uma superfície de 30 mil metros quadrados contendo o bilhão de quilos de lixo misturado com as 600 famílias numa grande massa de bolo. Leva a massa ao forno e serve com cobertura de glacê e chocolate granulado.

Baixa o pano. A plateia aplaude, pede bis e o ibope sobe.

Não sei se isto tudo eu sonhei ou vi na tevê. Mas aconteceu depois de eu saber de um único glaciar lá da Terra do Fogo. Em cinco anos ele encolheu 30 metros em profundidade de gelo. Um glaciar de cerca de 60 metros de altura e 500 metros de largura. Isto chutando por baixo. Este cálculo, feito assim nas coxas, dá algo como 900 mil metros cúbicos de água derretida, transformada em fluido sobre a Terra. Continuando a calcular, dá algo como 500 mil litros de água liquefeita por dia. Seriam suficientes apenas 18 dias de derretimento daquele único glaciar para termos água suficiente para dissolver todo o Morro do Baú.

Pode ser que uma coisa não tenha nada a ver com a outra, mas me deixou com uma pontinha de preocupação. Não tive vontade de aplaudir. Nem pedir bis.

06 abril 2010

SOPRA O VENTO

Sopra o vento desde o sul. E encrespa o mar. A fúria do mar da baía agora me parece pueril. Encrespado pelo vento sul. O vento que vem lá de onde os mares se encontram. Lá onde o vento é o paradoxal oeste.

Lá da terra dos pingüins. Dos mares dos pingüins. Pingüins que subirão por estas correntes e aqui que não aportem, de preferência. E se aportarem fracos e extenuados, que tenham nossos cuidados e possam na primavera voltar para o clima movediço das suas terras austrais.



Mas o vento sul, o nosso vento sul, continua forte, fustigando as gaivotas. As onipresentes gaivotas que aqui pousam nas pedras voltadas para o vento. Para melhor enfrentar a sua inclemência, voltadas para o sul, com as asas cerradas, resistindo à sua vontade. Sem saber que lá onde elas olham. Lá bem lá depois da terra se esconder sua curvatura, as gaivotas estariam voltadas para o oeste.

03 abril 2010

MARE AUSTRALIS

Três lobos marinhos nadam na direção do barco. O vento frio fustiga o convés enquanto ao fundo montanhas ostentam seus cumes esbranquiçados. O mar do canal está bastante calmo, restando ao barco um ondular leve, mal percebido. O céu se mantém com nuvens baixas, alternando uma chuva fina com aberturas que apenas clareiam a paisagem, resaltando o gelo azul dos glaciares. Mais lentos que os golfinhos, que conseguem seguir o barco, os lobos marinhos seguem seu caminho, talvez buscando uma refeição na colônia de pinguins que deixamos para trás, enquanto o Capitão Enrique Rauch comandava o Mare Australis com firmeza e serenidade por entre as ilhas. Tudo é surpreendente nestas paragens austrais.

Uma visão destas também deve ter impressionado os tripulantes de outro barco há muitos anos. Especialmente um jovem chamado Charles que partilhava as acomodações do pequeno buque inglês com o Capitão Robert. Este mapeava a região para o Almirantado Britânico, enquanto seu parceiro observava com paixão a Natureza que os cercava. Há 176 anos, FitzRoy nos deu um levantamento da Terra do Fogo que só foi superado pela moderna tecnologia, enquanto o naturalista Darwin começava a formular uma teoria que mudaria não apenas seus conceitos, mas toda a humanidade para sempre.