15 junho 2009

CRÔNICA DO AVIÃO

A primeira vez que comi salmão foi num vôo da Varig. Final dos anos 70 entre Porto Alegre, onde morava e o Rio. Algo glamoroso. Ainda mais com um bom vinho e para finalizar um uísque, antes de avistar pela janela a paisagem deslumbrante e me lembrar daquela bossa:
“Minha alma canta
vejo o Rio de Janeiro”

As viagens se tornaram corriqueiras. O trabalho me exigia e me brindava com esta possibilidade.

Também conheci nos ares outro peixe, a truta, devidamente defumada. Enquanto assistia, como um filme passado numa pequena televisão, as belezas do nosso litoral. Samba do Avião, né?
“Estou morrendo de saudades
Rio, seu mar, praia sem fim
Rio, você foi feito prá mim”

Os finais de semana eram meus e passava em Copacabana. Nos dias úteis, Icaraí. Andava com relativa desenvoltura pelas ruas arborizadas, pela orla deslumbrante. E preenchia um dos mil lugares da barca para Niterói.
“Cristo Redentor
braços abertos sobre a Guanabara”

Depois fui transferido para S. Paulo e lá conheci as agruras executivas da Ponte Aérea. Os possantes Electras e seu sofazinho no fundo. Sem pratos sofisticados, como nos vôos que partiam de Buenos Aires, paravam em Porto Alegre para eu embarcar e seguiam para o Rio. Mas os turboélices nos brindavam com um breve lanche, uma cerveja e o indefectível scotch.
“Este samba é só porque
Rio eu gosto de você
A morena vai sambar
seu corpo todo balançar”

Depois os tempos foram ficando mais duros e os vôos para o Rio se distanciando. Muita coisa mudou nestes anos, com crises e mais crises abalando todo o país, não deixando nem a “pioneira” Varig de fora. Embora toda vez que sobrevoava aquela cidade, a música se repetia na minha cabeça. Tom Jobim:
“Rio de sol, de céu, de mar
Dentro de mais um minuto
estaremos no Galeão

Ontem embarquei num vôo da Varig. A aeronave tinha as cores da empresa que adquiriu o que sobrou da velha companhia aérea. Mas a tradição de me apresentar às novidades continuou. Só que desta vez foram as deliciosas bolachinhas salgadas recheadas com uma pasta com sabor de alho. Digamos que o glamour ficou na lembrança, mas
“Aperte o cinto vamos chegar
Água brilhando
olha a pista chegando
e vamos nós aterrar”

08 junho 2009

AS SERRAS

A Cidade e as Serras! Eça de Queiroz, me lembrei. Aqui também temos a cidade e as serras. Entretanto temos o mar. E após este mar urbano, se sobrepõem as serras. Quatro camadas se empilham desde a Ponta de Baixo, do outro lado da enseada, onde gaivotas brigam por um peixe e um inusitado sabiá busca o sumo de peixinhos que se aventuram na superfície. Alheios a isto tudo.

As serras ao longe se empilham. E sobem em suas alturas e lá de cima se enxerga o mar. Não as gaivotas, muito menos o peixinho no bico do sabiá marinho, que dos galhos de uma árvore que insistiu em crescer na praia, apesar do sal, exerce o ofício que talvez alguma gaivota lhe ensinou. Mas de lá se enxerga o mar. E de cá se vê as serras como eternas camadas torta de bolachas irregular.

AS IMPACIENTES GAIVOTAS

As gaivotas na beira aguardam impacientes. Em vez de buscar seus peixes em mergulhos acrobáticos, aguardam impacientes. Em vez de lutar por seu sustento, aqui aguardam gordas, com sua conversa desengonçada, seu nadar de pato e seu vôo suave.

Na Praia das Palmeiras, num domingo de sol, as gaivotas não vão em busca de seu sustento. Será que cristãs guardam o domingo?

Elas aguardam e gritam nas águas calmas da baía. Aguardam, que das mesas dos restaurantes, voem em sua direção deliciosos nacos de peixe ou camarão jogados pelos clientes. Como num churrasco, onde se joga os ossos para os cuscos, aqui as gaivotas se banqueteiam com os restos.

E roubam os nacos umas das outras. Mesmo havendo alimento suficiente para todas, perseguem-se mutuamente, como se a comida roubada fosse mais gostosa. Congressistas gaivotas.

E nas pedras, mais adiante, dezenas de outras tomam sol e devem, saciadas, assistir a ópera bufa que se passa na praia. E lá numa pedra, mais ou menos eqüidistante de mim, se destaca preto, em meio às outras silhuetas, um biguá, que talvez esteja a me olhar aqui a escrever.

06 junho 2009

A SEXTA EM QUE A CIDADE PAROU

Sexta feira. Pleno Dia Mundial do Meio Ambiente, que foi comemorado em Floripa com um engarrafamento enorme para o tamanho da cidade. Eu estava no trânsito e me lembrei de um conto do Júlio Cortazar dos anos 60, “La Autopista del Sur” onde um engarrafamento toma dimensões inusitadas. Pois a cidade naquela tarde estava assim. Trancada. Disseram que foi por causa do par de horas de greve dos ônibus, ocorrida pela manhã. A disputa entre os motoristas e os empresários que anda colocando todo o povo como refém. Quem passou por algum percalço nos ônibus, tirou seu carro da garagem após o almoço.

Mas, seja o que for, aquela tarde mais parecia uma amostra do que deverá acontecer no nosso trânsito em breve. Há poucos dias foi notícia ser Floripa a segunda pior cidade no mundo em mobilidade urbana, segundo estudo científico da Universidade de Brasília. E a cidade, na sexta, confirmou estes estudos, mesmo tendo sido rotulados como um exagero pelo Ipuf (Instituto de Planejamento Urbano de Florianópolis). A sexta feira desmentiu o Ipuf numa lentidão desesperadora. Qualquer rua que se entrasse, em pouco tempo estava se engrossando a fila. Lenta ou mesmo parada.

Convém salientar – e o Ipuf certamente sabe disto – que a circulação dos veículos é muito parecida com a circulação de particulados, como grãos ou a areia. E os grãos em movimento, assim como os carros, se comportam quase como um fluido. Porém, quando estáticos, tem o comportamento de sólidos. Isto me fez imaginar o dia em que o trânsito deixará de fluir. E as ruas de nossa cidade se transformarão, como rios de lava solidificada, em rios de carros abandonados. Aos poucos oxidando sob a maresia do vento sul.

Talvez aí possamos sair de bicicleta em paz.

02 junho 2009

A COPA DO MUNDO NÃO É NOSSA

A copa do mundo não é nossa. Florianópolis foi preterida para ser uma das sedes da Copa do Mundo. Se isto é bom ou é ruim, não sei. O que sei que esta desclassificação está produzindo muita discussão entre os envolvidos. Uns dizem que foram problemas técnicos. Outros dizem que foram políticos.

Se os problemas técnicos que impediram a vinda de algumas seleções para cá, podemos até deduzir o que houve. Dá para imaginar a delegação de algum país baseando-se num bom local, com estrutura condizente e tudo o mais, para hospedar os futebolistas. Digamos que este local fique no Santinho. A delegação vai para o treino. Sai do Santinho e se dirige para a Ressacada, estádio auxiliar à flamante Arena Florianópolis. Quanto tempo irá perder neste trajeto? Isto se nenhuma moto for abalroada durante o trajeto e trancar todo o trânsito ou na SC401 ou nas Rendeiras. E pior para outra delegação que treina no Cambirela e tem que enfrentar todos os dias os engarrafamentos em direção à Palhoça.

Isto sem falar dos turistas que irão acompanhar o evento. Serão centenas de milhares de turistas por toda a cidade. A população subirá repentinamente para 2 milhões de pessoas. Pior! Dois milhões de aparelhos digestivos depositando no ambiente florianopolitano o seu meio quilo diário de cocô. Será que até 2014, nossa cidade terá rede e estações de esgoto suficientes para processar mil toneladas por jornada?

Digamos que, não vindo seleções européias, cada novo habitante da cidade tenha por hábito tomar seu banhozinho diário. Serão uns 200 litros de água consumida por alma. Serão 400 milhões de litros de água potável por dia. Novamente pensamos que daqui até 2014 são cinco anos.

E a energia elétrica? Haverá suficiente? Bom, pelo menos Florianópolis já está integrada nos sistema nacional de energia. O que não estava até o ano passado.

Daí, digamos que o jogo seja às 20 horas. E o pessoal chegou na cidade por via aérea e precisa se deslocar à Arena antes do início da contenda. Terá que cruzar a ponte, digamos às 18:30 e depois ingressar no Estreito. Quem mora aqui sabe o que isto significa quando estamos com nosso meio milhãozinho de almas. E quem não mora talvez até consiga imaginar.

Será que em apenas cinco anos teremos condições de fazer o que não fizemos por décadas a fio?

E se os problemas de recusa de Floripa forem políticos? Bom, aí melhor nem falar. Nosso governador não tem força? Nossos senadores e deputados não apitam nada em Brasília? Ou será que eles ficam brigando entre si por problemas comezinhos em seus currais? Melhor nem falar, melhor nem falar.

Que fique a lição. O Brasil teve uma Copa em 1950. Agora estará sediando a segunda 64 anos após. Podemos lançar a campanha para trazermos alguns jogos em 2078. Talvez até lá tenhamos solucionado a infraestrutura urbana de nossa cidade. Talvez até lá a ilha já tenha virado um imenso sambaqui de caliça e excrementos.