25 outubro 2009

CALMARIA

Tudo está parado sobre o mar baixo. Os pássaros pousados sobre as pedras aguardam a tempestade que já se mostra no sul da baía. A natureza segue seu rumo.

A maré baixa expõe as algas que acarpetam as pedras achatadas, as que passam quase que integralmente submersas quando o mar sobe um pouco.

Aqui onde estou, o céu está nublado, mas ainda claro, mas o sul se mostra com um céu baixo, rugoso e pesado como o chumbo, do qual se pinta. Nuvens escondem os morros mais altos.

Todos permanecem quietos, exceto um pequeno hidroavião que passa a leste com a lentidão dos ultraleves e seu barulho de cortador de grama.

Uma gaivota se posta, agachada, na pedra onde havia o ninho, como se nele estivesse. Outra permanece numa pedra próxima.

O mau tempo avança, vindo do sudoeste. A chuva se faz sobre os morros do continente, fechando também o tempo para o sudeste. O sul da ilha também escurece.

Em pouco tempo, o morro do Cambirela desaparece sob a chuva. Aqui só o vento começa a soprar mais forte. Um bando de gaivotas, que o enfrentam, começam a grasnar e discutir como velhas fofoqueiras.

O mar se arrepia e alguns pingos esporádicos se fazem sentir. O bando continua no ar grasnando. As pedras se enchem de biguás e outras gaivotas. Numa delas se distingue um martim-pescador.

O vento chega forte desde o sul, descabelando as árvores. Os morros no fundo da baía desaparecem totalmente. Tudo se preparou para a tempestade, mas em fim não chove por aqui.

A ARIDEZ

Não tem mais ninho na pedra. Voltei de viagem e não tem mais ninho. A pedra está como se ele tivesse sido arrancado, varrido. Uma gaivota na pedra do namoro e outra ave em outra pedra. Mais distantes, biguás tem seus lugares sobre outras pedras e. ao fundo, uma terceira gaivota se banha. Nem sinal do filhote. Ele seria uma gaivota de plumagem ainda parda, algo que conservam até o verão, mesmo já tendo o porte dos adultos. Aos poucos que a plumagem parda vai cedendo lugar à definitiva, preta e branca.

Outras gaivotas aparecem por todos os lados. Mas o ninho foi destruído.

Talvez um humano. Daqueles que passam pela calçada sem nada ver, talvez um humano finalmente visse. Vendo, pegou seu barquinho, remou até a pedra, destruiu o ninho e matou o filhote. Ou talvez o vento sul tenha acordado de mau humor e, mais forte que o filhote e o ninho, tudo varreu para o mar. Ou o gavião aquele que outro dia passou pelos ares, piando ameaçadoramente, não fosse talvez tão pequeno para dar cabo do galeto.

Será que caiu do ninho? E sem o filhote, os próprios pais ou outras gaivotas o destroçaram? Ou o vento, estando o ninho sem os cuidados devidos, o resumiu às suas palhas que foram carregadas?

Na pedra do namoro, agora, estão as duas gaivotas. Pouco depois, uma delas volta para a pedra do ninho, novamente árida e fica agachada onde as palhas estavam.

O frango deve ter morrido. Ou está, como bom adolescente, aproveitando suas novas habilidades, neste caso, aéreas. E o ninho, perdendo a razão de ser, tenha sido degradado, pelos pais ou pelo vendo.

Quem quiser que escolha. A natureza segue seu percurso e, no entanto, nada se fecha no final da história. Apenas começou e terminou com a árida pedra cumprindo sua sina de bruxa empedrada do Itaguaçú. Viveu por algumas luas e voltou à sua aridez. O feitiço do diabo. A mandinga de Anhangá-pitã.

21 outubro 2009

O PINTO VIRANDO FRANGOTE

Há dois dias, passei pelo Itaguaçú e visitei as gaivotas. O pinto estava bem visível na pedra do ninho. Movia-se já com uma certa desenvoltura, ainda sob o olhar cuidadoso da mãe, que o observava à distância.

O dia ostentava nuvens baixas que se imiscuíam com os morros, além da calmaria e da maré muito baixa fazendo com que as pedras expusessem seus limos.

Já hoje tem um vento fraco desde o sudeste e uma nevoa que esconde os morros, mas o mar se apresenta alto e tem certa força, com alguns respingos sobre a pedra do ninho. O filhote está lá, sobre as palhas, e a mãe ao lado, na pedra mesma. Interessante como o filhote se camufla bem entre as palhas. A plumagem infantil se mistura à cor do ninho e a evolução, ainda negada por alguns, se incumbiu de mimetizá-los.

Nosso pinto já virou um frango quase do tamanho dos pais. Coça as penas talvez sonhando com o dia em que alçará voo.

Ao largo, outras gaivotas planam procurando comida. Ou apenas se divertem ao sabor do vento. Sabe-se lá o que pensam os pássaros.

Já os humanos, estes primatas barulhentos, passam em seus carros. Indiferentes à névoa, ao vento e às gaivotas. Todos, exceto um que, como eu, tenta enxergar o sul através do vento.

A outra gaivota pousa sobre a pedra do ninho. Caminha na diagonal do filhote, abre lentamente as asas e voa até a pedra do namoro. O frangote se levanta, abre as asas, mas volta ao aconchego das palhas. O pai retorna de sua demonstração e pousa na pedra. Zeloso professor.

O filhote vai até seu encontro e deve ter recebido algum petisco. Um gostoso peixinho regurgitado.

Logo a seguir, um terceiro adulto se aproxima. O pai estica o pescoço em alerta e o frango some da vista no ninho. O macho alça voo e consigo, a muito custo aqui da praia, distinguir o infante. Agachado e quieto no ninho. A mãe permanece sobre a pedra, no mesmo local onde estava desde que cheguei. O pai sai atrás do intruso e, pouco tempo depois, a mãe alça voo também.

Passa o tempo e os adultos chegam ao ninho quase ao mesmo instante. O frangote finalmente se levanta do ninho e vai em direção aos pais. Está seguro. O primeiro adulto sai voando. O segundo caminha um pouco sobre a pedra e também voa, deixando o filhote novamente sozinho. É como se eles dissessem: Vem, filho, voa! Mas o coitado pula, bate as asas meio desajeitado e não consegue ir além. A envergadura de suas asas já está de bom tamanho, mas a tentativa não foi muito convincente.

Um dos pais, após esta lição, volta à pedra e se posta ao lado do ninho em pé. Mais um pouco e o filhote estará acompanhando os pais pelos ares. Aprenderá a pescar e a brigar pelos restos dos restaurantes na beira da praia. Verá como o mundo é muito maior que aquela pedra e se aventurará pelos ares e pelo mar.

Os adultos se alternam. Precisam levar mais comida para que o filhote a processe em ossos, músculos e penas. E cocô também, mas isto só servirá para agregar mais matéria orgânica à árida pedra que de há muito ostenta uma coroa de vida.

Um raro gavião passa piando o seu pio de águia, mas o ovo já virou pinto e o pinto já virou um frango que já não tem mais tamanho para virar janta para aquele ameaçador e minúsculo rapineiro.

16 outubro 2009

VENTO E SAL

O vento sul bate forte sobre o ninho. Uma gaivota permanece no posto saindo a seguir, talvez para buscar alimento. O filhote permanece, porém não se consegue ver o infante da calçada.

Daqui se vê que uma gaivota tenta sair da praia em direção ao ninho, mas não consegue devido ao vento contrário. O filhote aparece sobre o ninho. Está só. Aprendendo por conta própria a enfrentar a inclemência dos elementos que farão parte de seu dia-a-dia. O vento e o mar. Fustigado, este joga uma chuva de sal sobre o ninho. Assim é a vida no mar, aprende o frangote.

O vento sopra com força, penteando os jerivás que se agrupam na minha frente. Quatro cabeludos e magros troncos parecem avançar em direção ao sul, com suas cabeleiras penteadas para trás. Parecem saídos de algum filme do Pink Floyd.

Parecem, pois continuam cravados no solo com suas raízes rasas e sólidas. Porém quem avança para a pedra, com voos laterais que os grandes pilotos da Primeira Guerra dominavam, foi nossa gaivota. Acomoda-se no ninho e permanece ali, voltada para o sul a enfrentar o vento. A segunda gaivota pousa na pedra. Permanecem ali por um curto espaço de tempo, já que a primeira volta a alçar voo.

O chuvisqueiro salobro vindo do mar atinge a praia, acabando com o que resta da lata da rural. O mar revoltado com o vento, quebra forte, quase no muro da calçada, levantando um spray que toma conta do ambiente. O próprio vento sacode com força os veículos estacionados na beira. Mas a gaivota resiste sobre a pedra. Não está no ninho. Neste apenas o filhote permanece, tentando se proteger da tempestade de vento e sal.

04 outubro 2009

ROTINA A TRÊS

Na pedra uma gaivota está no ninho enquanto a outra dá plantão bem ao lado. Parece ter alimentado o filhote que ainda não se arriscou fora do quente do ninho, pelo menos neste dia ventoso e ameno de primavera.

Em outra pedra mais distante vejo que há mais uma gaivota chocando em seu ninho. Numa terceira, um par de biguás abrem as asas com as costas ao sol. O sol que hoje, sob nuvens grossas vindas do sul, ainda assim os aquece.

Porém neste aqui a nova vida rompeu a casca.

O gigante do topo do Cambirela esconde-se sob as nuvens baixas lá do outro lado. E ao sul há sol. Se vê o sol sobre os cumes mais ao sul, na boca da baía.

O nosso brioso casal, por sua vez, permanece sobre a pedra do ninho por um bom tempo, até que uma delas voa para outra pedra e o pinto se ergue. Espia, ao lado da gaivota que ficou, toma confiança e sai do ninho.