30 maio 2010

RESSACA NA ARMAÇÃO

Fui instigado por um amigo a pensar um pouco e responder sobre o que fazer. Um caso bem concreto, a Ressaca na Praia da Armação, que, até agora, não se sabe quanta culpa o aquecimento global tem e quanto é de um fenômeno natural presente em praias compostas por areias ao sabor do mar e do vento, portanto móveis.

Não nasci aqui e, portanto, não acompanhei esta ilha desde os anos 50. Mas comecei a freqüentar estas plagas a partir de 73, quando cruzei a Hercílio Luz com dois amigos num flamante Passat e fomos até o norte da ilha. Até uma colônia de pescadores chamada Ingleses do Rio Vermelho. Havia a Festa da Tainha e fomos extremamente bem recebidos, estranhos que éramos numa comunidade de pescadores. Inclusive ficamos bem mais tempo do que planejado, acampados numa praia quase deserta chamada Santinho. A partir daí eu me apaixonei pela ilha e comecei a freqüentá-la. Entretanto, só consegui vir de muda para cá quase trinta anos depois. Mas cá estou.

Me lembro que a Praia da Armação tinha uma faixa de areia bem extensa e que ela, aos poucos, foi sendo tomada pelo mar. Isto é um fenômeno natural. Porém, mesmo com este avanço lento e constante, o homem teve sua influência na aceleração do fenômeno.

Conversando com pescadores, fiquei sabendo que o fechamento da barra do Rio Sangradouro para o lado da Armação, mudou a praia. O objetivo foi preservar a Armação livre da poluição do Rio. Ou seja, em vez de impedir que ele fosse poluído por esgoto humano no seu pequeno trajeto entre a Lagoa do Peri e o mar, foi mais prático desviá-lo. Mais uma vez varreram o pó para baixo do tapete.

Ele me falou que a praia sofreu com isto, tendo em vista a ação do vento leste, a lestada. Do mesmo modo, conforme o vento, os próprios pescadores passaram a ser obrigados a retirar seus barcos da Armação, levando-os até a Ilha do Campeche, o que significa sempre despesas extras, além de períodos fora de casa, pois, levando os barcos para lá, não têm como voltar, até mudar o vento.

Não entendo muito disto, pois me falta conhecimento científico sobre esta ação dos ventos e do mar, mas estou relatando o que me contaram. Ou seja, houve uma ação humana ali. Os pescadores pedem ou um molhe longo na foz do rio ou que se retirem aquelas pedras de lá.

Então aí vai a proposta que faria. Que, antes de mais nada, se escute quem tem conhecimento disto, seja por viver a vida inteira ali, seja por ter conhecimento científico obtido nos bancos da UFSC ou da UDESC ou onde for.

Resolverá jogar pedras na praia? Para mim é uma situação emergencial. Como as crianças na praia a construir um murinho para proteger o castelo de areia da ação das ondas que insistem em subir. Algo paliativo apenas, mas que não conterá o mar. Tem a proposta de dragar o fundo do mar naquele local, onde há um depósito de areia e jogá-la na praia, reconstruindo-a. Seria acelerar um movimento que o próprio mar faz ao longo dos anos. Tira a areia daqui, joga ali. É algo caro, mas que resolveria, com manutenção periódica, a situação da Armação.

Acontece que a vida construída sobre a areia da praia, se dá de modo precário. Ranchos e construções simples, que podem ser retiradas e erguidas em outros locais ou mesmo perdidas sem muito prejuízo. Assim deveria ser. Só que se construiram cidades, com belas e dispendiosas casas, em locais impróprios para tal. O mesmo que está acontecendo também na Barra da Lagoa e em Canasvieiras. Como acontece na Cidade do México, construída sobre um lago, em New Orleans, no caminho dos furacões, no Baú, no Morro do Bumba e tantos outros locais. Entretanto, a responsabilidade seria dos órgãos públicos que, no lugar que cobrar IPTU, levar água, luz, arruamento até lá, precisariam estar preparados, com base no conhecimento dos terrenos envolvidos, e dizer não, naquele local não pode. Mas a sanha arrecadatória é mais forte que o bom senso.

Temos que ter uma ação preventiva e não apenas remover os flagelados depois do flagelo acontecer e decretar estado de emergência.

Em que outros locais isto acontecerá? Quando? Que ação será tomada? E nem cheguei a falar no aquecimento global.

16 maio 2010

A ESPERA

Não tem vento nem sol. O céu fechado também não prenuncia a chuva. O mar, exceto por uma leve brisa vinda do sul, parece quase um espelho, onde as pedras - as áridas pedras - se refletem femininas. Se miram e se banham as bruxas do Itaguaçú.
As gaivotas reinam neste dia lento de outono. Algumas sobre as pedras e outras na água não fazem nada. Um casal destas aves faz acrobacias num vôo sincronizado rente à água, à areia, às pedras. Somem para oeste, onde um bando de trinta-réis descansam sobre uma pedra e uma dupla de pescadores tarrafeiam num caíque.
Tudo se passando muito lento, como se a tarde cinza segurasse os ponteiros do relógio de Saturno, acorrentando o tempo.
Todos esperam sem pressa. Esperam que o tempo passe. Esperam que o vento mude. Esperam na praia. Esperam nos barcos. Esperam cosendo as redes. Esperam lubrificando as máquinas. Esperam nos botecos. Esperam tomando pinga. Esperam jogando dominó.
Todos esperam que o tempo arraste suas correntes e que o vento mude. Esperam que o vento trague lá do sul as flechas de prata e de vida que encherão as redes, que moverão os braços, que pesarão nos barcos, que forçarão as máquinas.
Esperam as tainhas que abrirão o dia, que esquentarão o sol, que romperão as cadeias do tempo.

02 maio 2010

ORGULHO NACIONAL

Andando por Buenos Aires, há alguns dias, vi um posto Petrobras. Assim, sem o acento no “brás” mesmo. Mas, apesar do sumiço do acento obrigatório nas palavras com a última sílaba tônica, conforme o vernáculo, não se lê “petrôbras”, não. A justificativa foi a internacionalização da marca, já que em diversos países a acentuação é desconhecida. Justificativa que a Telefónica não compartilha, pois mantém o seu acento espanhol em qualquer país. E parece até que se orgulha disto.

Que seja, não é sobre isto que quero falar. Embora seja sobre orgulho. E sobre aquele posto em Buenos Aires com o “BR” em verde e amarelo. Poderia eu, ali mesmo, inflar meu peito com orgulho patriótico. Afinal, a Petrobras, independente dos acentos, é uma das cem marcas com mais valor no mundo inteiro. E continua genuinamente brasileira, remetendo-nos todos ao episódio do “petróleo é nosso” e outras afirmações da identidade nacional.

Mas o que me veio à mente, em vez de bandeiras brasileiras flamulando nos céus do planeta, foi uma propaganda que está sendo veiculada na televisão. Nela, um cachorrinho olha pela vitrine de uma pet-shop (eba, orgulho nacional) onde ele está exposto para venda. O close nos olhinhos pidões, quando ele vê uma pessoa passar, são tão enfáticos como a acentuação no nosso léxico. Expressam o desejo de pertencer àquela pessoa, uma jovem e bela mulher que passa distraída na rua.

Ela segue seu caminho, mas seus olhos, fixam-se em um homem, também jovem e bem apessoado, claro. O close, enfatizando seu olhar, repete o do cão. E, da mesma maneira, o homem não retribui, pois seus olhos pidões chegam até um carro na outra vitrine. O close nos olhos marca a cena.

Como se pode ter orgulho? Nada mais machista que esta propaganda da Petrobras. Algo que até poderia gerar uma interpelação do Conar, do Ministério Público e mesmo de qualquer mulher que se sinta ofendida em ser comparada com um cachorro em seus desejos, acentuados nesta peça publicitária.

Mas foram atingidos seus objetivos, pois esta propaganda me veio à cabeça em Buenos Aires, antes de qualquer rasgo patriótico. Realmente, a agência conseguiu explorar muito boa esta ligação sutil entre os desejos de um cão, uma mulher, um homem e um carro, embora seja difícil sentir orgulho de uma empresa que permite a veiculação de sua marca numa propaganda com esta conotação. Mesmo sendo uma das cem maiores marcas do mundo.

A SUSTENTÁVEL SUSTENTABILIDADE

Nestes novos tempos, onde sustentabilidade virou um chavão vazio, se vê casos completamente impensados por este mundo cada vez mais esquizofrênico. Parece que qualquer coisa pode ser dita, qualquer palavra pode ter qualquer significado. Afinal, qualquer um acredita.

Num caderno sobre sustentabilidade, que saiu dia destes na Zero Hora, grande jornal de Porto Alegre, a principal matéria era sobre um sapatinho sustentável de couro – que só não sustentou a vida do coitado do boi. Mas na capa do caderno vemos no topo, em destaque, o patrocínio de duas empresas. Uma contribuição financeira para o caderno foi da CEEE, empresa de distribuição de energia elétrica. Pode-se perguntar o que há de ecológico nisto, mas até pode ser. Sejamos complacentes.

Mas surge então o maior patrocinador, com direito à toda a contracapa do caderno. E a empresa é ninguém menos que a Souza Cruz. Sim, a Souza Cruz que, em sua página devidamente verde, afirma ter 107 anos de sustentabilidade. Mais de um século! É sustentável avant la lettre. Parabéns à esta gigante da saúde e do meio ambiente. E o que esta sustentável empresa industrializa? Três chances, cara-pálida. Não sabe? Chuta.

Errou. Há 107 anos a sustentável Souza Cruz fabrica cigarros. Sim, cigarros de tabaco. Aqueles que tem doses cavalares de nicotina. Aqueles que mataram meu tio de modo horrível. Que certamente levou algum parente ou amigo do leitor, que caiu nas garras do tabaco, viciou-se em nicotina e fumou até morrer. Sustentável. Completamente sustentável. A Souza Cruz fornece, com o beneplácito de todos os governos do ocidente, uma droga pesada que causa dependência química. Um negócio que é, obviamente, sustentável.

As pesquisas mostram que a nicotina causa mais dependência que a própria cocaína, tão combatida nos dias de hoje, só perdendo para a heroína. Estas duas banidas dos círculos legais. Mas pergunte aos traficantes se seus negócios não são altamente sustentáveis para seus bolsos ao passar do tempo?

Parabéns para a Souza Cruz pelos seus 107 anos de negócios sustentáveis para si e para as UTIs oncológicas.

Parabéns também para a Zero Hora por ter a sensibilidade de buscar o sustento de seu caderno ecológico na Souza Cruz.

E parabéns para todos nós que sustentamos isto tudo, como diria o Gonzaguinha, com um sorriso nos lábios.