18 julho 2009

DIVULGAÇÃO ENFURECIDA

Estava vindo para casa ouvindo o programa do Marquinhos Espíndola, o Paredão, no rádio. O Grande Marquinhos, que tem um espaço excelente, formador de opinião e sabe o utilizar muito bem. Para júbilo da cultura local.

Mas eu estava ouvindo o Marquinhos colocar a excelente música catarinense e me lembrei de outras eras, outros programas, outras rádios, outras cidades, mas a mesma fúria divulgadora do que temos de melhor no quintal de casa.

Anos 70 em Porto Alegre, a rádio Continental (1120 kHz) transmitia um programa à noite, Mr. Lee in Concert, patrocinado, claro, pelas Calças Lee. Comandado pelo Mr. Lee, heterônimo do Júlio Fürst. E rolava a melhor música porto alegrense que havia.

Com o tempo, o Mr. Lee começou a realizar shows, Vivendo a Vida de Lee, que congregavam diversas bandas locais, dos mais diversos estilos. Teve um no Auditório Araújo Viana, espaço antigamente ao ar livre no Parque da Redenção. Foi uma tarde e uma noite de pura viagem no que veio depois a ser conhecido como MPG (a música popular gaúcha).

Aquele show foi tão maluco que num determinado momento quando estava uma das melhores bandas de rock que apareceu, o Mantra, num céu noturno aberto, por sobre o palco, surgiu um meteorito bem grande e estourou em diversas estrelas cadentes menores que seguiram a abóboda do céu até sumir atrás do público. A banda parou de tocar, todo mundo ficou olhando aquele céu improvável, num evento improvável para aqueles anos ditatoriais.

Hoje temos excelentes trabalhos realizados na música de Florianópolis e uma divulgação enfurecida, como o trabalho do Marquinhos, que é tudo que queremos por aqui. Pelo menos me conduziu, com seu programa, a belas lembranças de outras eras.

14 julho 2009

O ROMANCE E A FRASE

Como são as coisas. O que vale mais, pergunto, um romance ou uma frase? Um romance, com seu filme sutil, descrito por milhares de letrinhas dispostas com o cuidado de um miniaturista, ou uma frase espirituosa?

O Maguila, o nosso bom Maguila, diria, após pensar um pouco, que é um romance. Sem dúvida. Mesmo porque uma frase espirituosa é algo que sai, espirituosamente, em qualquer mesa de boteco. Por outro lado, um romance escrito pelo Maguila venderia quase tanto quanto um Paulo Coelho.

Porém, uma frase espirituosa vale mais. Pelo menos no meu caso e sob a ótica financeira. Vale mais sim.

Uma frase espirituosa consigo trocar por um ingresso para um evento, para uma festividade, para um show. Um chôu de outro artista, como diria enfático o heterônimo sborniano do grande Nico Nicolaiewsky. Ao qual tive a satisfação de assistir no final de semana. Isto tudo após ter trocado as minhas frases espirituosas por ingressos, lá na redação do Diário Catarinense.

Ou seja, pelo menos no meu caso, as frases valeram mais. Muito mais. Duas frases valeram quatro ingressos!

Já quanto ao romance, ainda não avaliei, mas certamente terei que escrever muito para poder vendê-lo como um quilo de papel velho.

Um romance, portanto, não vale nada. Nada a não ser o prazer que ele me propicia ao ser escrito.

04 julho 2009

RISCO NO CÉU

Hoje fiquei aqui sozinho em casa. Os petizes num festerê e eu aqui sozinho. E coloquei prá tocar Risco no Céu. O disco tão desejado e perseguido pelo Carlinhos Hartlieb. O disco que o próprio Carlinhos nunca viu. O disco que os amigos conseguiram, anos depois, lançar in memorium. Na capa, o Carlinhos com seu inseparável chapéu. O Carlinhos dos oclinhos, que cruzávamos lá caminhando pela areia da Praia do Rosa de outros decênios. Onde tudo nos era possível.

Na capa, o Carlinhos na frente da sua casa, tocando violão, como ele sempre fazia. A casa onde o corpo do Carlinhos foi encontrado pendurado numa corda, como se ele, o doce Carlinhos, tivesse acabado com sua própria vida. Como se todos nós acreditássemos nisto. O tranqüilo Carlinhos de certa forma era nosso porta voz. O Carlinhos e sua música inconfundível. Sua produção tão promissora que se resumiu a um disco póstumo. Quantos outros Van Goghs ganharam a posteridade após desaparecerem? Porém este nosso teve seu futuro brutalmente interrompido em alguma pedra do costão entre o Rosa e o Luz, por alguém que talvez não aceitasse sua postura alegre e zen. Seu modo de vida. Seu violão e seu astral.

Hoje eu olho o mesmo mar aquele do antigo Rosa. E escuto um mp3 do disco. Coisa moderna que o Carlinhos mesmo nunca sequer sonhou conhecer. Mas tocando um disco que não tem tempo que joga milongas atávicas sobre os pés descalços na areia tocada pelos ventos. Carlinhos por aqui vivo, vivendo a vida eterna na sua obra. Na sua pequena obra que chegou até mim nas costas dos bits que navegam por um rio virtual que se espalha pelo mundo.

Aliás eu percebi que “Por favor sucesso”, ganhador de festivais, era de um riograndense, no caso o nosso Carlinhos, quando ouvi uma estrofe muito marcante: “veja menina enquanto a chaleira esfria”. Quem se preocuparia com uma chaleira esfriando se não um mateador? Quem marcaria desta forma uma música? Logo uma música “que será sucesso durante um mês”, se não o Carlinhos? O Carlinhos que adotou Santa Catarina como tantos outros que vieram de lá atrás de um lugar melhor para se viver, de uma vida sem tantos simulacros como lá naquele porto que já foi alegre, atrás de um povo mais honesto e feliz. Atrás de uma tainha escalada e de uma pinga do Macacú. De uma casinha no Caminho do Rei.

Pena, apesar de estar com o Carlinhos aqui na trilha sonora, não ter mais o Carlinhos que se foi. O Carlinhos iterativo que tomava um mate e tocava violão em volta de uma fogueira, numa noite aberta de inverno, na lua cheia do Rosa.

02 julho 2009

A BIBLIOTECA E O OLHO

Olhamos, nós que vivemos todo este processo, com um certo espanto o avanço estupendo da dita tecnologia da informação.

Algo que, em poucos decênios, passou do gênio criativo de escritores de ficção científica para a realidade não apenas palpável, como indispensável para este nosso mundo.

Vemos surgir, neste ambiente volátil que, como uma imagem, chamamos de virtual, corporações poderosas que entram em nossos lares por meio deste espelho sem aço que nada reflete, mas que suga e dá.

Tribos aborígenes não se deixavam fotografar, pois acreditavam que a foto lhes roubava a alma.

Não chegaremos a tanto? Mas se lembrarmos da obra sexagenária de George Orwell, que se passa no distante futuro de 1984, veremos aqui, um quarto de século após aquele futuro fictício, algo como aquele Grande Irmão. Não o pastiche televisivo, mas o olho que tudo vê, que tudo sabe e que está presente em todos os lugares.

Por outro lado, se recuarmos uns dois milênios, nos forçaremos a comparar com o antigo espírito humano, querendo compilar todo o conhecimento na Biblioteca de Alexandria. Porém a atual não é inflamável, pelo menos para a chama que César usou naquela.

Assim, este nosso olhar estupefato, dado a traçar paralelos, se depara com outra inventividade do homem que também o persegue desde antes da contagem do tempo: a criação de deus. Porém não um deus que compartilha conosco a imagem e semelhança bíblica, mas um deus incorpóreo. Como é conveniente para um deus, a bem da verdade. Um deus que permite se mostrar por meio desta janela-espelho da tela.

Nem mais nos preocupamos com seu aspecto distante do mundo concreto. Já nos ajustamos. Como também nos adaptamos ao modo mercantil de ser deste deus que, no afã de nos saber intimamente, troca pedaços desconexos de conhecimento de sua infinita biblioteca Alexandrina por nacos de nossa alma. Como não somos aborígenes nem nada, não chegamos a nos importar com isto, desde que tenhamos como nos relacionar e de pagar as contas sem levantar a bunda da cadeira.