03 fevereiro 2009

PRIMEIRO CENTENÁRIO

Cem anos atrás na cidade de Porto Alegre. Início do século vinte, que trazia em si a industrialização do mundo e – pasmem! – os automóveis. Algo fascinante, pelo menos para a província que saíra, há pouco mais de vinte anos, de uma revolução sangrenta. Há pouco tempo mais, o próprio país se tornara os Estados Unidos do Brasil e os homens todos se tornaram livres. Livres para a fortuna e livres para a miséria.

Neste cenário progressista, a cidade era, ao mesmo tempo, centro de uma região distante e meio primitiva por um lado e berço do Positivismo no país, por outro, representado por Borges de Medeiros, eternizado num monumento na Praça da Matriz e, antes disto, na presidência da província.

Mas naquela cidade desembarcaram uns rapazes vindos da grande metrópole paulista e seu assombro foi não poderem jogar o “foot-ball”, pois o único “team” local que praticava o esporte era elitista e não permitia que pessoas não oriundas da fechada sociedade local compusessem seus quadros.

A atitude destes moços, como se dizia na época, foi reunir seus amigos e fundar um clube que a todos acolhesse, sem qualquer distinção de origem ou classe. Assim fazendo, pertinho da Várzea da Redenção, criaram o Sport Club Internacional, que jamais recusaria alguém em suas fileiras.

Esta mesma turma, algum tempo depois, chocaria ainda mais os conservadores locais, pois incorporaria a Liga da Canela Preta, que agrupava as pessoas “de cor” que também gostavam de bater uma bolinha.

Assim sendo, o Colorado, que herdara as cores do bloco Os Venezianos, ganhava o seu mascote, imortalizado décadas depois no traço inconfundível de Ziraldo, o Saci, negrinho alegre e zombeteiro.

Lá por aqueles tempos distantes, dois amigos, passaram a freqüentar o clube. Eram meu avô e seu cunhado. E junto deles e do meu pai, entrei a primeira vez nos Eucaliptos para ver o Inter jogar.

Ali conheci o Vicente Rao, um misto de Rei Momo, Papai Noel e colorado doente que fascinava a todos pelo tamanho de sua generosidade.

Aqueles meus dois velhos, porém, não chegariam a ver o Beira Rio concluído, mas meu pai sim, e como conselheiro e dirigente do clube. Com ele e já com a minha mãe e meu irmão, passamos a freqüentar as obras do novo estádio que surgia gigantesco de dentro das águas do Guaíba. Milhares de mãos levantavam aquele titã de concreto e ferro a partir do nada. A partir apenas do desejo dos colorados que apareciam todos os dias levando desde suas economias até meia dúzia de tijolos.

A minha família embarcava no troleibus no Centro e descia no fim da linha. Dali seguíamos caminhando até o barro da obra. Chegávamos pela manhã, almoçávamos o melhor churrasco do mundo, na churrascaria Saci e íamos caminhar entre os tapumes e montes de cimento daquela elipse que lentamente se fechava.

Hoje embora esteja longe de Porto Alegre, meu coração continua com a mesma cor e batendo com a mesma força. E me orgulho de ver o Colorado no ponto mais alto onde qualquer clube de futebol possa alcançar. E mais ainda me orgulho de ver em meus filhos e meus sobrinhos a quarta geração de colorados na família. Sim, recém a quarta geração, pois apenas completamos o nosso primeiro centenário.

2 comentários:

Unknown disse...

Com a genialidade habitual!
Sandra.

Gil disse...

Que bacana este texto, vou ter que repassar pro pessoal. É bem o que falamos da questão da identidade, o colorado presente nas memórias de infância, da fase adulta e um dia da memória dos descendentes. Abração