17 janeiro 2009

A CIDADE & COMPARAÇÃO (a primeira crônica, ainda em Porto Alegre)

O dia era de sol. Até que estava agradável. Estava tudo igual. A mesma floresta de concreto, fria. Ao fundo o Guaíba parecia um mar de lama. O ar com o mesmo cheiro desagradável. Os automóveis, engarrafados ao longo de toda a rua, pareciam uma massa de ferragens coloridas.

Acendi um cigarro e observei as pessoas. Eu disse pessoas? Pareciam mais autômatos. Todos programados. Um tem que ir para o trabalho. Outro para o cursinho. Todos andando depressa. Todos atrasados. Quem estava de carro gostaria de estar a pé, pois o trânsito tinha parado.


Não havia mais árvores. A única coisa verde era um fuquinha parado na esquina. A prometida área verde que ia sair na outra quadra virou estacionamento. Antes mesmo de crescer o primeiro tufo de musgo. Centenas de passarinhos não voam mais ali. Não havia sequer crianças na rua. Talvez porque suas mães tivessem medo.



Passou uma ambulância. Sua sirene destacou-se do já insuportável barulho das ruas. Talvez estivesse levando mais uma vítima do progresso. Passou cortando entre carros e buracos, de onde alguns trabalhadores extraiam seu pão sem saber que poderiam ser a causa da neurose de muitos.

Onde havia o verde da grama,
há o negrume do asfalto sujo de papel.
Onde havia árvores,
há construções enormes.
Onde corriam livres os animais,
correm os automóveis.
Onde os tatus escavavam suas tocas.
máquinas amarelas barulhentas furam buracos
Onde havia um céu azul pontilhado de pássaros,
há um céu cinzento empipocado de aviões.
Onde as capivaras brincavam,
há um cais imundo cheio de navios.
Onde os peixes nadavam,
há um rio marrom em que bóia lixo.
Onde havia vida,
há máquinas.

1973

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