15 fevereiro 2010

OLHO O MAR

Olho daqui o mar batendo no costão do Morro das Pedras. A maré baixa deixa várias pedras com carapinhas de algas à mostra. No meio daquelas algas consigo distinguir daqui, parado no acostamento da Geral, uns tufos de alface-do-mar.

Gastronomicamente isto me remete à Praia da Buzela, canto norte da Praia do Rosa. Acho que era 1985. Fomos de kombi e estávamos acampados num rancho. Tínhamos mochilas e livros, dispostos a discutir nosso rumo frente aos ventos novos que bateram verdes nestas terras, carregados em outras mochilas e livros que voltavam, anistiados, ao Brasil.

Porém, continuamos falando de gastronomia. Estávamos, se não me falha a memória, o Taradinho, a Mella, o Jacaré, o Sal, o Paulinho, o Mutante e o Renato, além de mim. Não me recordo se todos estes estavam. Mas foi um acampamento-seminário inusitado. Como não havia um pingo de organização, nada ficou registrado exceto em nossas mentes. Havia sempre um mate pronto. Sempre um bom-dia-brasil. E a culinária local. Siris e buzelas que pegávamos na beira da praia. Cavalinhas que, avisados nós pelos botos, avisamos os pescadores que as capturaram e ganhamos nosso farto quinhão (nunca mais vi cardume tão grande de cavalinhas na beira do mar), além de mariscos e búzios, coletados dos costões. Juntos com as alfaces-do-mar, que viraram salada, acompanhando siri na casca, cavalinhas fritas ou assadas e arroz com moluscos, fossem eles bivalves os gastrópodos.

Enquanto isto, discutíamos que rumo iríamos tomar, dentro do que chamávamos de movimento ecológico. O discurso do PT parecia carecer de tempero. Já as alfaces-do-mar eram deglutidas com azeite e um pouco de sal, já que elas mesmas eram salgadas. Também mais consistentes que suas homônimas terrestres e possivelmente com mais proteína. E isto também me parecia carecer naquele partido em termos de uma visão ecologista.

Já as cavalinhas, o segredo para ficarem sem espinhas estava na hora de limpá-las. Um movimento da faca, na hora de tirar a cabeça, as deixava só com a espinha vertebral. Simples, mas, se não fosse a explicação e a demonstração de um pescador, jamais conseguiríamos.

Há momentos em que precisamos estar atentos ao que ocorre à nossa volta. Momentos que precisamos consultar outras pessoas, olhar o mundo a partir de outras experiências, que não sejam apenas a de nossos umbigos. As idéias verdes, com o perdão do trocadilho, estavam já maduras para florescer. Perdoem-me também os botânicos. E assim se começava a discutir a necessidade do PV por estas plagas.

Assim também trocávamos cartas, com o Sérgio, o Viola e o Rogério, em Floripa o Paulinho que fora morar em S. Paulo, o Frederico em Curitiba e depois no Rio e o Alfredo também no Rio, que tinha um grupo bem forte também.

Estas novidades, como o e-mail, recém estavam sendo construídas. E tínhamos na mão a possibilidade da Bio-Net, uma das redes universitárias percursoras da Internet, onde os ecologistas europeus conseguiam espaço para trocar informações de um modo mais ágil que a correspondência física. Mas nós, amigos da máquina de escrever e do envelope com selo grudado depois de convenientemente lambido, tínhamos ainda restrições ao acesso, pois dependíamos de alguma universidade para entrar na rede e isto, dentro destas instituições, ainda cheiravam a conspiração.

Já os siris, não tínhamos coca para pegá-los e terminamos fazendo isto com pedaços de paus. Parecia um monte de loucos dando pauladas no mar, espedaçando os coitados dos artrópodos que, invariavelmente, terminavam numa panela de água fervente. Capturar siris com pedaços de pau não é uma atividade que prime pela produtividade, pois demanda um gasto de energia muito maior que o adquirido com a pouca carne que cada bicho dispõe. Mas não tínhamos coca, não adiantava. A coca, para quem não sabe, é um círculo de madeira ou metal com uma rede, onde os siris ficavam presos, atraídos por alguma isca.

Mas redes eram estendidas no mar, não na infosfera, que mal se pensava em criar. Mas tínhamos as discussões acaloradas do Em Nome do Amor à Natureza na OC62, casa velha na Cidade Baixa, em Porto Alegre. Grupo que, até mesmo estatutariamente, fazia ecologia política. Embora recém estivéssemos tentando descobrir que coisa era esta. Assim como, quando vinha para Florianópolis, participava do MEL, o Movimento Ecológico Livre, por onde se passavam as mesmas dúvidas e debates do Em Nome. Já faz quase uma década que atendi o convite expresso numa carta do Sérgio, para que viesse morar em Floripa. Mas aqui estou.

Muita água passou. Água que hoje moveria pequenos hidrogeradores. Muito vento que hoje moveriam geradores eólicos. Os biodigestores... bom, deixa isto pra lá. Todo esta conversa está na ordem do dia há trinta anos. E ainda está incompleta, o que mostra que a temática ecologista esta viva, transformando-se e evoluindo.

Relendo velhas cartas que achei ontem, vejo que muitos destes amigos de antanho continuam no mesmo ritmo. Uns se afastaram, talvez esperando um convite ou algum gás para voltar a participar, outros talvez nunca mais se reintegrem. Todos estamos mais velhos e mais experientes. Talvez sem mostrar ainda o vigor de nossas mentes, que despudoradamente mostrávamos naqueles tempos. Talvez precisando de alguma energia de ativação apenas. Mas muitos outros se juntaram. E aquele nosso papo quase incipiente, ganhou novos personagens e novos desdobramentos.

Mas eu não estava falando de gastronomia?

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